Não vi o jogo do Cruzeiro. Mais do que isso: senti. A audição é mais precária em seus sentimentos viris. Acompanhando o drama pelo rádio - apesar da emissora, vulgo Itatiaia, ser atleticana de ofício e causa -, comecei a me inquietar a partir dos trinta minutos do primeiro tempo. Vou te confessar: não vi no Cruzeiro - em seu elenco - uma certeza de que tudo estava ganho, apesar de ser difícil, uma vez me colocando no lugar de um atleta, não acreditar que o mais complicado já havia sido realizado, ou seja, "não perdemos na Argentina, agora depende de nossa qualidade, e só dela". Mas o que ouvi e senti? Ouvi e senti mais uma clássica final de libertadores. E só. Faço um pequeno retorno ao passado, na década de 1930. Nesta década foram organizadas as primeiras copas do mundo. Ali tivemos o primeiro triunfo do Uruguai e depois os dois triunfos da Itália. Foi exatamente neste período que nasceu o mito de que era praticamente impossível ganhar uma copa fora do seu continente. Quando dizemos: o Cruzeiro, em casa, com sua torcida, ganhará, parece um exagero - pensar que apenas pela presença do torcedor o título está ganho. Mas na história das Copas, mais do que jogar em seu estádio, jogar em seu continente é sinônimo de título. Apenas o Brasil - nas Copas de 1958 e 2002 - quebrou este mito que, logo, continua com sua sombra. Pois bem: vários times europeus não vieram em algumas copas disputadas na América do Sul por uma questão: na hora das decisões, faltava futebol, sobrava garra, malandragem e, muitas das vezes, covardia. Não foi senão com estes elementos que o Brasil criticou, até os anos 1990, a Libertadores da América. A partir desta década citada, começamos a ganhar efetivamente o principal campeonato de clubes do continente com mais assiduidade. Justo nos anos 1990, quando nossos bons jogadores, em sua maioria, estavam na Europa. Os maiores selecionados formados por equipes brasileiras estão inseridos nos anos anteriores. Por exemplo, para ficar em apenas um elenco incrível - o maior -, podemos citar o Santos. Como entender que o inacreditável Santos só ganhou duas, e apenas duas, Libertadores. Quais foram as "seleções" que bateram o Santos? E o Palmeiras de Ademir da Guia? E o Inter de Falcão? Enfim, não havia seleções, havia elencos adversários que, na gíria boleira, chamaríamos ora de "chatos", ora de "maldosos". Lugano, eis zagueiro do Nacional do Uruguai e do São Paulo, certa vez contou para seu grande amigo, Rogério Ceni, histórias narradas pelos boleiros uruguaios sobre como eram os jogos entre os uruguaios e os platinos nos primeiros anos de disputa do campeonato. Era uma verdadeira luta corporal, em que sobrava covardia, faltava futebol. Mas o que ouvi e senti? Ouvi e senti mais uma clássica final de libertadores. E só. Não houve futebol. Houve a gana, a fome, a sede de um time que sabia ser inferior, contra um Cruzeiro de talentosos jogadores, ainda que não craques.
O craque da Libertadores, Verón, o que fez em sua primeira bola no jogo do Mineirão? Deu um drible humilhante, deu um chapéu no adversário, furou as canetas alheias, executou um lançamento gersoniano? Não. A primeira jogada do craque da Libertadores, a quem Adilson, o técnico do bi-campeão da Libertadores, na entrevista coletiva, minutos após o apito final definir a vitoria dos velhos "estudantes" de La Plata, fez a brilhante e rara menção em que revelava o prazer de homem de poder assistir em campo um craque da maestria de Verón, não foi nenhuma das citadas jogadas. Verón, após o apito do juiz, esperou o atleta Ramires, do Cruzeiro, pegar a bola, para acertá-lo, em cheio, como revide por uma cotovelada, em meu olhar involuntária, recebida pelo mesmo jogador na partida inicial. No ano que passou, assistimos ao goleiro da equipe do Equador, a Liga Desportiva Universitária, fazer do juiz, do tricolor fluminense e de toda a história do futebol uma piada desonesta. Do primeiro minuto até os pênaltis, praticou a ação que só ao léxico do futebol tem sentido: catimbar. Em um mero juízo de valor, acredito que o Cruzeiro de Ramires era muito mais merecedor que o Fluminense de Tiago Neves para conquistar a Libertadores. Mas ambos esbarraram na ausência de futebol. Luís Felipe Scolari, dos técnicos a quem mais respeito, fez história na Libertadores, conquistando o campeonato com Grêmio e Palmeiras. Qual era uma de suas marcas na disputa dos jogos decisivos: chutar uma segunda, ou até uma terceira bola para o gramado, ao final dos jogos em que seus times estavam ganhando, para retardar a partida. Enfim: fez isto, ganhou e virou técnico de seleção brasileira, campeão do mundo. A catimba faz parte, mas não pode ser tomada como O futebol. Não, não assumo que isto seja a regra deste campeonato. Não... existiram, sim, grandes jogos de final na Taça Libertadores. Mas insisto em dizer que a maior parte daqueles que assisti, assim o foram. Dia de alegria? Para o futebol, não. Para os argentinos, sim. Dia de alegria? Sim. Para a conmebol, que continua aplaudindo, após mais de 40 anos de futebol, a ausência do próprio futebol nos campeonatos por ela organizados. Para aqueles que gostam de futebol, não. A audição, mais precária em seus sentimentos viris, me fazia pensar em atletas como Ramires e Wagner em campo, pouco combativos, mas destacados pela qualidade com a bola nos pés, diante de atletas que pareciam ser força e só força. Para onde avançar? Isto é uma final de Libertadores. É preciso mais do que futebol. É preciso, inclusive, em boa parte dos noventa minutos, esquecer que existe futebol. Eis o lema dos grandes campeões argentinos e uruguaios da Taça Libertadores da América.
O craque da Libertadores, Verón, o que fez em sua primeira bola no jogo do Mineirão? Deu um drible humilhante, deu um chapéu no adversário, furou as canetas alheias, executou um lançamento gersoniano? Não. A primeira jogada do craque da Libertadores, a quem Adilson, o técnico do bi-campeão da Libertadores, na entrevista coletiva, minutos após o apito final definir a vitoria dos velhos "estudantes" de La Plata, fez a brilhante e rara menção em que revelava o prazer de homem de poder assistir em campo um craque da maestria de Verón, não foi nenhuma das citadas jogadas. Verón, após o apito do juiz, esperou o atleta Ramires, do Cruzeiro, pegar a bola, para acertá-lo, em cheio, como revide por uma cotovelada, em meu olhar involuntária, recebida pelo mesmo jogador na partida inicial. No ano que passou, assistimos ao goleiro da equipe do Equador, a Liga Desportiva Universitária, fazer do juiz, do tricolor fluminense e de toda a história do futebol uma piada desonesta. Do primeiro minuto até os pênaltis, praticou a ação que só ao léxico do futebol tem sentido: catimbar. Em um mero juízo de valor, acredito que o Cruzeiro de Ramires era muito mais merecedor que o Fluminense de Tiago Neves para conquistar a Libertadores. Mas ambos esbarraram na ausência de futebol. Luís Felipe Scolari, dos técnicos a quem mais respeito, fez história na Libertadores, conquistando o campeonato com Grêmio e Palmeiras. Qual era uma de suas marcas na disputa dos jogos decisivos: chutar uma segunda, ou até uma terceira bola para o gramado, ao final dos jogos em que seus times estavam ganhando, para retardar a partida. Enfim: fez isto, ganhou e virou técnico de seleção brasileira, campeão do mundo. A catimba faz parte, mas não pode ser tomada como O futebol. Não, não assumo que isto seja a regra deste campeonato. Não... existiram, sim, grandes jogos de final na Taça Libertadores. Mas insisto em dizer que a maior parte daqueles que assisti, assim o foram. Dia de alegria? Para o futebol, não. Para os argentinos, sim. Dia de alegria? Sim. Para a conmebol, que continua aplaudindo, após mais de 40 anos de futebol, a ausência do próprio futebol nos campeonatos por ela organizados. Para aqueles que gostam de futebol, não. A audição, mais precária em seus sentimentos viris, me fazia pensar em atletas como Ramires e Wagner em campo, pouco combativos, mas destacados pela qualidade com a bola nos pés, diante de atletas que pareciam ser força e só força. Para onde avançar? Isto é uma final de Libertadores. É preciso mais do que futebol. É preciso, inclusive, em boa parte dos noventa minutos, esquecer que existe futebol. Eis o lema dos grandes campeões argentinos e uruguaios da Taça Libertadores da América.
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*Gustavo Saldanha é atleticano, divinopolitano, ex-jogador de futebol (ai Queijim) e profundo entendedor dos mistérios deste esporte!
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