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quinta-feira, 17 de maio de 2012

Direitos Humanos

Dias atrás vi no Facebook a foto de um policial civil (ou agente penitenciário) segurando um cassetete, no qual estava escrito “direitos humanos”. Um amigo compartilhou essa foto comentando que era aquilo mesmo que bandido merecia. Argumentei que os “direitos humanos” envolvem muito mais que a defesa de criminosos presos, e que um agente do Estado que escreve essas palavras em um instrumento de trabalho (mas que pode ser usado para tortura) deve ser exonerado e preso. Meu amigo disse que enquanto bandidos têm direitos, e são defendidos pelos “direitos humanos”, os cidadãos de bem são reféns da criminalidade. Segundo esse amigo os “direitos humanos” nunca fizeram nada por ele.

Isso me fez pensar porque as pessoas associam os “direitos humanos” com a criminalidade, como se esses direitos fossem invocados apenas para defender criminosos. Tenho a ligeira impressão que esta confusão é fruto da falta de informação, ou até mesmo da informação deliberadamente manipulada dos programas “sensacionalistas” da televisão, dos colunistas de “jornais populares” que pregam “pau na bandidagem” e acusam de cumplicidade qualquer pessoa ou idéia que condene esse ato.

Como gosto de saber das coisas que critico fui ler a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a base para esse grande conjunto de idéias, normas e instrumentos denominados “Direitos Humanos”. A declaração foi proclamada pela ONU em 1948, com as conseqüências da Segunda Guerra Mundial ainda visíveis e concretas. A lembrança das atrocidades da guerra está no preâmbulo da Declaração:
[...] Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum [...]
Está claro que o ideário de adotar e celebrar um conjunto de idéias que exortam o bem-estar, a paz e a liberdade é fruto de um cenário de sofrimento e destruição, crueldade e falta de respeito aos homens. Vejamos o que diz o primeiro artigo da Declaração: “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. Por esse primeiro artigo podemos ver que esses princípios são aplicados a todas as pessoas. Não há escolhas. Um Estado Democrático de Direito, tal como vivemos hoje no Brasil, é fundado sobre esta base: a base da liberdade, da dignidade, da igualdade de direitos. Não há como um indivíduo negar que não usufrui desses direitos. Se ele vive sob esse Estado, ele é um beneficiário destes ideais.

E porque os defensores dos “direitos humanos” pedem tratamento digno aos presos, ainda que estes sejam criminosos condenados. Por causa do quinto artigo: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Para punir crimes os Estados possuem legislações específicas. E qualquer pena deve estar prevista nestas leis, mesmo as penas de morte. E as penas devem ser aplicadas respeitando a dignidade das pessoas. Quase todas as penas para atos delituosos têm caráter correcional. E o argumento dos críticos dos “direitos humanos é que os criminosos não respeitam a vítima. Isso é verdade mas não justifica que o Estado se torne criminoso. Os representantes dos Estados agem com base na lei e somente assim podem evitar injustiças.

Para qualquer crítico dos “direitos humanos” recomendo uma leitura cuidadosa da Declaração. Lá estão as bases para nossos direitos fundamentais, aqueles que gozamos sem perceber, sem sequer saber que um dia eles já foram proibidos em nosso país. Para citar apenas alguns:
Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição (Artigo 2).
É até difícil imaginar que já existiram restrições a esses direitos no Brasil (e ainda existem em muitos países). Mas não é necessário voltar muito no tempo para vermos que esses direitos eram restritos a uma “elite” econômica detentora do poder de vida e morte sobre “seus comandados”. Ainda não temos uma situação de pleno acesso à esses direitos mas os avanços foram gigantescos.
Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado (Artigo 9).

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular (Artigo 18).

Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras (Artigo 19).

Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e associação pacíficas (Artigo 20).
Embora pareçam, e deveriam ser, naturais esses direitos sempre são cerceados por quem detém o poder pela força. Minha geração tem poucas lembranças de cerceamento de liberdade no Brasil, porque já vivenciamos as conquistas de gerações anteriores. Estes direitos são frutos de lutas ferozes, violentas. Não nos foram dados, foram conquistados. E se hoje temos todas essas liberdades é porque a democracia é baseada nos direitos humanos.
1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.

2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social [...] (Artigo 23).
Por fim chegamos a um ponto que considero crucial nos “direitos humanos”: o direito ao trabalho digno. Muitas vezes podemos pensar que os direitos trabalhistas foram dados por patrões bondosos interessados no bem-estar dos trabalhadores. Na verdade esses direitos são fruto de lutas históricas. Se ainda hoje, mesmo em um estado democrático, temos trabalho escravo ou em condições degradantes, no passado todos os trabalhadores eram submetidos a jornadas desumanas de trabalho e à baixa remuneração (ou nenhuma). Os estados que se assentaram sobre os pilares da Declaração dos Direitos Humanos possuem legislação para combater essas anomalias e garantir a dignidade aos trabalhadores.

Portanto, quando uma pessoa, vivendo em um Estado Democrático de Direito, diz que os “direitos humanos” nunca fizeram nada por ela, deveria pensar melhor. Creio que quem pensa assim está equivocado. Defender os “direitos humanos” é defender a dignidade a todas as pessoas. Defender os direitos humanos é defender a aplicação da lei de maneira igualitária e justa. E qualquer pena deve ser prevista em lei. Ao invés de defender a tortura, o assassinato deveríamos defender a efetiva aplicação da lei. Enfim, é isso!


Um comentário:

Paulo de Castro disse...

Não sei se já comentei isso com você, mais isso tudo tá no Tropa de Elite 2. Saiu uma matéria no New York Times comparando o capitão Nascimento com o Jack Bauer de 24 horas. Eles estavam comparando a coincidência da população americana e brasileira apoiarem os atos de tortura dos dois heróis como justificáveis, por causa do medo, para nós do tráfico, para eles do terrorismo.